segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

"A Terceira Geração": Fassbinder critica e ridiculariza o terrorismo alemão, as classes sociais e as instituições alemãs dos anos 1970 em 'A Terceira Geração''! - Marcos Doniseti!

"A Terceira Geração": Fassbinder critica e ridiculariza o terrorismo alemão, as classes sociais e as instituições alemãs dos anos 1970! - Marcos Doniseti!

Filme polêmico de Fassbinder também antecipa a 'Guerra ao Terror', que foi adotada pelo governo Bush a partir de 2001 e mostra que o Terrorismo é altamente benéfico ao Capitalismo. 
Em 'Die Dritte Generation', Fassbinder faz um crítica dura e corrosiva aos principais grupos sociais e instituições alemãs dos anos 1970: Terroristas, Polícia, Estado, Burguesia... Ninguém é poupado da crítica ácida de Fassbinder.  
Título: Die Dritte Generation (A Terceira Geração);
Diretor; Rainer W. Fassbinder;
Roteiro: Rainer W. Fassbinder;
País de Produção: Alemanha; Ano de Produção: 1979;
Duração: 105 minutos;
Gênero: Drama Político; Sátira;
Elenco: Hanna Schygulla (Susanne Gast), Eddie Constantine (PJ Lurz), Harry Baer (Rudolf Mann), Margit Carstensen (Petra Vielhaber), Volker Spengler (August), Raúl Gimenes (Paul), Udo Kier (Edgar Gast), Gunther Kaufmann (Franz Walsch), Bulle Ogier (Hilde Krieger). 

Este é mais um polêmico filme do genial cineasta alemão, Rainer W. Fassbinder, um dos principais nomes do chamado Novo Cinema Alemão, que realizaram obras bastante críticas e questionadoras da nação e da sociedade da Alemanha a partir, principalmente, dos anos 1960/70. 

Fassbinder foi, sem dúvida alguma, o principal nome do cinema alemão do Pós-Guerra e foi um criador incansável, tendo realizado 44 filmes (41 longas e 3 curtas) entre 1966 e 1982, quando morreu, com apenas 37 anos. 

Assim, o número de filmes que ele dirigiu supera a sua idade ao morrer... 

Neste filme, vemos Fassbinder fazer uma crítica ácida e também satirizar e ridicularizar, sem dó e nem piedade, o terrorismo alemão de extrema-esquerda da década de 1970, criticando o grupo Baader-Meinhof Gruppe, cujo nome era, de fato, 'Fração do Exército Vermelho' (Rote Armee Fraktion ou RAF).

O nome do filme, 'A Terceira Geração', parte da visão de Fassbinder de que o RAF (que foi fundado por jovens estudantes alemães em 1970) teve três grandes Gerações, que foram:  
O policial alemão diz que 'O Capitalismo inventou o Terrorismo para que as forças do Estado o protejam melhor'. Bush e Obama, com sua política de 'Guerras Infinitas ao Terror', que o digam...
1a. Geração: Foi a época do movimento estudantil dos anos 1960, que foi muito forte também na Alemanha, e que desejava mudar o mundo por meio de gestos, palavras e demonstrações, ou seja, promovendo uma espécie de 'Revolução Pacífica';

2) 2a. Geração: Criação do RAF (Rote Armee Fraktion ou Baader-Meinhof Gruppe, como a mídia alemã passou a denominar o grupo), que começa atuando dentro da legalidade, mas que vai acabar adotando o terrorismo como estratégia de luta, tornando-se um grupo ilegal e que é brutalmente perseguido pelo Estado alemão, que irá reprimir duramente ao mesmo. Aliás, vários dos líderes do RAF acabaram morrendo na prisão. O governo alemão disse, na época, que eles cometeram suicídio... Devem ter sido 'suicídios' semelhantes aos de Vladimir Herzog;

3) 3a. Geração: É a geração que é retratada, criticada e ridicularizada por Fassbinder neste filme. Na visão dele, nesta fase os 'terroristas' já tinham se distanciado totalmente das suas origens e são mostrados como pessoas sem qualquer ideologia e que não fazem a menor ideia dos motivos que as levam a agir dessa maneira e muito menos sabem quais são os seus objetivos. 

Em vários momentos do filme, essa visão ácida de Fassbinder sobre o terrorismo alemão dos anos 1970 fica bem nítida, tais como:

1) Na cena em que os terroristas estão se preparando para promover uma nova ação e, enquanto ela não acontece, eles brincam de 'Banco Imobiliário' ('Monopoly'), jogo no qual ganha quem acumula mais propriedades, ou seja, é um jogo tipicamente capitalista;
A musa de Fassbinder, a bela e talentosa Hanna Schygulla, interpreta Susanne, que é integrante do RAF/Baader-Meinhof e, ao mesmo tempo, é a secretária do grande industrial alemão PJ Lurz, que estimula o Terrorismo para aumentar o faturamento e o lucro de sua empresa. 
2) No momento em que aparece, no apartamento ocupado pelos terroristas, o que parece ser um cooler de Coca-Cola... Maior símbolo capitalista do que esse é difícil de existir, convenhamos, principalmente na década de 1970... Se o filme fosse realizado hoje veríamos o símbolo do Google, da Apple, do Facebook ou de algum banco;

3) Quando os membros do RAF debatem, no final do filme, quais são os seus motivos para fazer parte do grupo terrorista e quais são os objetivos que eles desejam atingir e simplesmente eles não sabem o que dizer;

4) O apartamento em que os membros do RAF estão morando se parece com tudo, menos com uma célula terrorista: Temos uma viciada que fica se injetando de heroína o tempo inteiro, outros ficam tocando violão, temos uma mãe com seu filho (um bebê) e  aparece uma dupla de amigos que chegou até o local porque conseguiu o endereço com o pai da viciada e que entram no mesmo sem nenhuma dificuldade (e se fossem policiais disfarçados?). Discussão ideológica sobre algum aspecto importante do marxismo ou a respeito do que eles fariam se conseguissem derrubar o governo alemão e passassem a governar o país? Não ocorre em nenhum momento, de fato. Enfim, é uma balbúrdia; 

5) O fato de que um dos integrantes do grupo mijou nas calças, literalmente, após invadir um cartório, com mais duas integrantes do grupo, quando quase foram descobertos pela segurança;

6) A facilidade com que o grupo é infiltrado por um agente da polícia (August) e que é, no fim das contas, simplesmente o líder da célula terrorista e que é o responsável por planejar as operações do grupo. 
Cena na qual os membros do grupo terrorista de extrema-esquerda jogam 'Monopoly', no qual o vencedor é aquele que acumula mais propriedades, uma forma nada sutil de Fassbinder mostrar a ausência de qualquer ideologia nos membros da 'Terceira Geração' do RAF (Fração do Exército Vermelho). 
Aliás, isso aconteceu com, literalmente, todos os grupos de extrema-esquerda da época e que apelaram para algum tipo de luta armada. Além da Alemanha, com o RAF, isso também aconteceu nos demais países da Europa e da América Latina. No Brasil, por exemplo, todas as principais organizações de guerrilha (ALN, MR-8, VAR-Palmares, etc), que lutaram contra a Ditadura Militar, foram infiltradas por agentes à serviço desta (e até da CIA). As Brigadas Vermelhas italianas também sofreram infiltrações por parte de agentes secretos.  

Porém, Fassbinder não se limita a criticar aquilo que entende ser o terrorismo equivocado da RAF. 

Todas as principais classes sociais e instituições alemãs do período são duramente atacadas por Fassbinder: a burguesia, a polícia, o Estado... nada e ninguém é poupado em 'Die Dritte Generation'. 

Em 'A Terceira Geração', Fassbinder também ataca, por exemplo, o próprio Capitalismo, ao qual o cineasta considera como o responsável pela criação do Terrorismo. Ele diz que isso acontece porque as ações dos grupos terroristas servem de pretexto para aumentar o poder repressivo do Estado que, no Capitalismo, está à serviço da Burguesia. Logo, as ações dos grupos terroristas, no fim das contas, teria a Burguesia como a sua maior beneficiária.

Aliás, no filme de Fassbinder, quem planeja as ações do RAF é, de fato, um grande industrial alemão (PJ Lurz), que está tendo grandes prejuízos com a queda nas vendas de computadores para o governo alemão (principalmente para a Polícia) depois que as ações terroristas não aconteceram mais. 

Daí, para tirar a sua empresa das dificuldades que enfrenta, PJ Lurz suborna um policial (August) para que este se infiltre no grupo terrorista para que este possa promover uma ação, que é o seu próprio sequestro. 

O objetivo de PJ Lurz (que, diferente dos membros do RAF, sabe muito bem quais são os seus objetivos) é convencer o governo alemão de que a retomada das ações terroristas mostram que é obrigatório que o governo do país volte a investir maciçamente em segurança, comprando novos computadores de sua empresa, a fim de tirá-la da crise.
Será um palhaço se preparando para entrar em cena, no circo em que trabalha? Não. É a terrorista Susanne em ação... 
Assim, Fassbinder antecipa em 'Die Gritte Generation' a 'Guerra ao Terror' adotada pelo governo de George Bush Jr (e à qual o governo Obama deu continuidade) após os atentados de 11/09/2001, aos quais, até hoje, são considerados como sendo, no mínimo, muito suspeitos, pela maneira como aconteceram. 

Afinal, o próprio presidente ianque recebeu, na época, um relatório secreto mostrando que Bin Laden e a Al-Qaeda se preparavam para atacar grandes edifícios nos EUA com o uso de aviões. E o que o governo Bush ou a CIA fizeram para impedir que isso acontecesse? Nada.  

Aliás, é interessante lembrar que, meses antes dos atentados do 11/09/2001, vários líderes Neocons dos EUA (Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld, Dick Cheney, por exemplo) diziam que o único jeito de implementar as políticas previstas no PNAC (Projeto para um Novo Século Americano) defendido pelo grupo era por meio de algum ataque terrorista ao território dos EUA que tivesse um impacto semelhante ao de Pearl Harbor. 

O PNAC prevê a implantação de uma Ditadura Global dos EUA que deve existir por todo o século XXI e, para isso, seria necessário se promover 'Guerras Infinitas' e processos de desestabilização para derrubar qualquer governo do planeta que não se submetesse aos interesses do Capitalismo Financeiro Globalizado. 

Não muito tempo depois destas declarações aconteceram os atentados de 11/09/2001... 

Muito conveniente, não é mesmo? 
Alguns dos principais líderes Neocons dos EUA, defensores do PNAC (Projeto para um Novo Século Americano), que usa o Terrorismo como desculpa para promover 'Guerras Infinitas' e, assim, impor uma Ditadura Global dos EUA por todo o século XXI. E é claro que isso gera lucros imensos aos fabricantes de armas e ao sistema financeiro, em especial. Fassbinder já mostrava isso em 'A Terceira Geração'. 
Também é bom lembrar que, na Alemanha dos anos 1970, aconteceu exatamente isso, ou seja, as ações do RAF serviram de pretexto para que o governo do país aumentasse fortemente os gastos em Segurança. Aliás, o mesmo aconteceu nos EUA após os atentados de 11/09/2001. Depois destes, os gastos do governo ianque com Segurança Nacional, Guerras (Afeganistão, Iraque, etc) e Armamentos dispararam. 

Atualmente, o orçamento do governo dos EUA com guerras e armamentos supera os US$ 1,5 trilhão, o que representa mais de  40% dos gastos mundiais do setor. Com isso, os grandes capitalistas (banqueiros que financiam tais gastos, fabricantes de armas, empresas privadas que atuam na área de Segurança Nacional) obtém lucros gigantescos. 

Portanto, a visão que Fassbinder mostra em seu filme de 1979 era mais do que correta. 

O assassinato de um dos membros do grupo (Paul) pela polícia alemã acaba levando os demais integrantes da célula terrorista a desconfiar que foram traídos. Com isso, August (o agente policial infiltrado no grupo) tem muito mais dificuldade para passar informações para os seus chefes na polícia. E em função da morte de Paul, eles mudam de endereço. 

Fassbinder também ataca a incompetência da polícia alemã que, mesmo possuindo um agente infiltrado na célula terrorista, precisa da ajuda involuntária de um atrapalhado amigo dos integrantes da RAF (Bernhard von Stein) para descobrir onde eles estão depois que saíram do apartamento e foram para um outro local.
Franz (à esquerda) é manipulado por Rudolf (agente da polícia infiltrado no RAF), que o leva a ir até um cemitério, onde será morto pelas forças de segurança do Estado alemão. 
Este atrapalhado amigo, Bernhard, se apresentou como um aristocrata para os membros do RAF, embora não o seja, é claro, e é quem acaba descobrindo qual é o novo endereço em que os integrantes do grupo terrorista se encontram, depois que a mãe maluca de um deles (Edgar) acaba falando o endereço para o atrapalhado aristocrata. 

August, o agente infiltrado no RAF, decide atrair os membros do grupo para ciladas, nas quais eles acabam sendo mortos por agentes dos serviços de segurança do Estado. Bernhard ainda tenta avisar a um dos seus amigos, Franz (um ex-militar que acabou de ser dispensado junto com ele, Bernhard, e que aderiu ao RAF), mas este já está inteiramente integrado ao RAF e decide ir até o local indicado por Augusta, onde acaba sendo morto, executado, pelos policiais.

Enfim, neste filme extremamente crítico e corrosivo de Fassbinder, ninguém se salva: terroristas, governo alemão, polícia, capitalistas. 

O filme também faz várias referências culturais (como Edith Piaf), sendo que a mais relevante delas é uma obra de Arthur Schopenhauer, 'O Mundo como vontade e ideia', que é dita e repetida em vários momentos, principalmente por Susanne, que é integrante do RAF e, ao mesmo tempo, secretária de PJ Lurz (sem que este jamais suspeite que ela é uma terrorista). 
Fassbinder, na capa da 'Der Spiegel' (principal revista semanal de informação do país), na época em que filmava a sua monumental obra 'Berlin Alexanderplatz', que tem 15 horas de duração. A série, feita para a TV alemã, retrata a Alemanha da "República de Weimar' (1919-1933), que foi um período de muita instabilidade política e de graves crises (Hiperinflação, Grande Depressão, ascensão do Nazismo) que atingiram com força a Alemanha. A fantástica obra de Fassbinder é essencial para se entender o período histórico que antecede a ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder no país mais rico e poderoso da Europa. 
Fassbinder teve grandes dificuldades para filmar 'Die Dritte Generation', sendo que não contou, como habitualmente acontecia, com o apoio das agências do governo alemão que financiavam a produção cinematográfica do país, devido ao conteúdo altamente crítico e polêmico do roteiro. Ele mesmo teve que financiar 'A Terceira Geração'. 

Com isso, o filme sequer conta com uma trilha sonora. Mas é claro que Fassbinder encontrou uma solução muito criativa para superar esse problema. A trilha sonora do filme, por assim dizer, acabou sendo o áudio de programas de tv (filmes, debates políticos), gravações em fita cassete de uma jovem francesa que se suicidou aos 17 anos, entre outros recursos muito criativos usados pelo diretor. 

O boicote à produção de 'A Terceira Geração' levou o cineasta alemão a convocar várias entrevistas nas quais denunciava essas restrições que, é claro, eram um tipo claro e inegável de censura. 

Por isso, neste filme, os personagens foram interpretados por amigos de Fassbinder que, ao mesmo tempo, trabalharam na produção e na parte técnica do filme. 

O próprio Fassbinder foi diretor, produtor, roteirista e diretor de fotografia do filme. Raúl Gimenez (Paul) fez o desenho de produção do filme, Volker Spengler (August) foi o diretor de arte. 

Muitos admiradores, críticos e estudiosos da obra de Fassbinder consideram que a sua obra é essencial para se entender a história e a realidade alemã (de diferentes períodos). 
Em 'Die Gritte Generation' a falta de financiamento levou Fassbinder a usar, entre outros recursos, os sons de programas de TV (filmes, de debates políticos, telejornais) como trilha sonora para este polêmico e importante filme. 
E isso é mais do que comprovado por filmes como 'Berlin Alexanderplatz' (obra monumental de 15 horas de duração produzido para a TV alemã), que trata do período anterior à ascensão do nazismo ao poder, que período extremamente turbulento da história alemã, no qual a Extrema-Direita e as Esquerdas (Social-Democratas e Comunistas) se digladiavam nas ruas de Berlim e das cidades alemãs. 

A trilogia de Fassbinder formada por 'O Casamento de Maria Braun' (1979), 'Lola' (1981) e 'O Desespero de Veronika Voss' (1982) retrata, essencialmente, o período do milagre econômico alemão durante a chamada 'Era Adenauer' (Konrad Adenauer foi Primeiro-Ministro, ou Chanceler, da Alemanha entre 1949-1963). E o mesmo vale para 'A Terceira Geração'. 

Este importante e polêmico filme de Fassbinder é, portanto, mais uma relevante obra do genial cineasta que retrata criticamente a realidade alemã dos anos 1970, não sobrando pedra sobre pedra dos principais líderes, grupos sociais, instituições e classes sociais germânicos do período. 

Links:

Ulrike Meinhof é encontrada morta na prisão:

http://www.dw.com/pt/1976-ulrike-meinhof-%C3%A9-encontrada-morta-na-pris%C3%A3o/a-322565

1977: RAF sequestra e mata o principal dirigente empresarial da Alemanha:

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/14934/hoje+na+historia+1977+-+hans+schleyer+e+sequestrado+pelo+baader-meinhof.shtml

Filme de Fassbinder - Die Gritte Generation:

Vídeo: Os Neocons, o PNAC e os atentados de 11/09/2001:

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