sábado, 18 de março de 2017

'Le Départ': Influenciado pela ‘Nouvelle Vague’ e pelo ‘Noir’, Skolimowski critica o materialismo capitalista do Ocidente! – Marcos Doniseti!

'Le Départ': Influenciado pela ‘Nouvelle Vague’ e pelo ‘Noir’, Skolimowski critica o materialismo capitalista do Ocidente! – Marcos Doniseti!
'Le Départ' recebeu o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim em 1967. 
Jerzy Skolimowski foi um dos principais diretores poloneses do Pós-Guerra, junto com Andrzej Wajda, Roman Polanski e, depois, Krzysztof Kieslowski.

Ele surgiu nos anos 1960 com uma série de filmes, uma trilogia, sobre uma realidade meio cinzenta que caracterizava a Polônia da época, sendo que as suas obras da fase polonesa chamaram a atenção de cineastas como Godard. 

No entanto, em função do seu filme anterior ter sido censurado pelo governo polonês, que o considerou como sendo anticomunista, Skolimowski decidiu sair do país e continuou a sua carreira cinematográfica no Ocidente.

‘Le Départ’, que ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim em 1967, foi o seu 
primeiro filme produzido no ‘Ocidente’, tendo sido realizado na Bélgica, sendo que Bruxelas foi escolhida para as locações. A fotografia do filme fez com que a capital belga se parecesse com a Varsóvia dos filmes da fase polonesa de Skolimowski.

Obs1: Bruxelas é a atual sede da União Europeia. 

E o compositor polonês Krzysztof T. Komeda, um apaixonado por Jazz, ao qual divulgou intensamente na Polônia, foi o responsável pela bonita (e jazzística, é claro) trilha sonora do filme. 

Komeda compôs uma bela trilha sonora. Ele também compôs a música de vários filmes de Roman Polanski, outro grande cineasta polonês. E a bela fotografia em preto e branco de Willy Kurant realça os tons cinzentos de Bruxelas. 
Marc em um Porsche, pelas ruas escuras de Bruxelas. O 'Filme Noir' está presente neste ótimo filme de Skolimowski. 
Skolimowski dirige um filme que critica o materialismo ocidental e que também trata de qual escolha ele deveria fazer em sua vida de cineasta. E a história do filme também se conecta com o comportamento rebelde da juventude da época.

O filme se desenvolve em torno de Marc, brilhantemente interpretado por Jean-Pierre Léaud, ator preferido de Truffaut e que havia acabado de trabalhar em ‘Masculino-Feminino’ de Godard.

Marc é um empregado de um salão de cabeleireiro, mas que fica inquieto com a vida triste e tediosa que leva. 

Marc fica indeciso entre dois caminhos possíveis: Ele deve procurar sair daquela vida acomodada de cabeleireiro e seguir uma vida em torno de seus sonhos e fantasias, que se manifestam em sua paixão por carros e velocidade (que é claramente uma maneira dele de promover a afirmação da sua masculinidade), ou deve dar continuidade ao romance que acabara de iniciar com a jovem e bela Michele, por quem se apaixona, mas com quem acabará tendo uma vida mais convencional, embora possa até a vir ser feliz ao lado dela. 

Obs2: Tal como o personagem Marc sonhava com uma vida plena de emoções ao correr com Porsches em corridas, o próprio Skolimowski talvez imaginasse que ao sair da Polônia ele teria total liberdade de criação. Mas se na Polônia a ideologia limitava essa liberdade, no mundo capitalista ocidental é a busca pelo lucro que exerce essa função. 
Os carros são verdadeiros protagonistas deste premiado filme de Skolimowski, representando os sonhos, desejos e fantasias que Marc tinha de ter uma vida cheia de emoções e aventuras.
Michele, é claro, percebe a indecisão de Marc, que valoriza mais os carros do que ela mesma (pelo menos no início), mas que mesmo assim não o abandona. 

Esse dilema não estava restrito a Marc, o protagonista de ‘Le Départ’, mas atingia grande parte da juventude dos anos 1960, que se rebelava contra os padrões e valores dominantes da autoritária e repressiva sociedade da época, mas que não conseguia romper inteiramente com os mesmos. 

Neste aspecto, lembro-me de uma cena do filme sobre o antológico festival de ‘Woodstock’ na qual os jovens que compareceram ao mesmo telefonavam para seus pais, a fim de avisá-los de que estava tudo bem com eles ou então para pedir dinheiro. Assim, eles se rebelavam contra a sociedade, mas sem romper inteiramente com as instituições dominantes, caso da família, por exemplo.

Sob outra perspectiva, essa indecisão de Marc talvez reflita a situação do próprio Skolimowski, que no ano de 1966 sai da Polônia e passa a filmar no Ocidente. Com isso, ele passou a se deparar com outro tipo de censura, diferente da existente na Polônia (de caráter mais ideológico), que é aquela imposta pela necessidade dos filmes produzidos no Ocidente terem a obrigação de serem lucrativos.  
Marc sonha em disputar um rally, pilotando um Porsche, procurando buscar algo em sua vida que lhe proporcione emoções que não tem no sua cotidiano de simples cabeleireiro. A presença intensa de automóveis durante todo o filme denuncia o excessivo materialismo da sociedade ocidental, que substitui uma vida plena de emoções e de sentido pelo consumismo, que supostamente faria as pessoas felizes, o que não acontece, é claro.
Assim, qual deve ser a escolha de Skolimowski? Filmar aquilo que ele deseja, expressando o que existe em seu interior, fazendo filmes para ele mesmo, ou produzir filmes mais comerciais, visando recuperar os investimentos feitos nos mesmos pelos produtores? 

Skolimowski irá oscilar, em suas produções ocidentais, e ele admitiu, em uma entrevista que os seus piores filmes foram justamente aqueles nos quais ele priorizou os lucros dos investidores. 

A trama de ‘Le Départ’ começa com Marc ‘pegando emprestado’, à noite, um Porsche que pertence ao dono do salão no qual ele trabalha como cabeleireiro. Isso gera belas cenas noturnas com Marc dirigindo carro pelas ruas e avenidas de Bruxelas. 
Marc deseja participar de uma corrida no domingo seguinte e ele quer usar um 
Porsche para poder participar da mesma. 

Mas ele fica sabendo que o seu empregador irá usar o Porsche naquele final de semana. Marc fica desesperado e decide usar de várias estratégias para poder participar da corrida de qualquer maneira. 
Michele e Marc se apaixonam, mas ele tem outras paixões, que são os carros, a velocidade e os Porsches. O materialismo do Ocidente capitalista é objeto de crítica por parte de Skolimowski neste belo filme. 
Ele apela para uma falsa tentativa de compra de um Porsche, enrolando o vendedor, dizendo que ele é empregado de um Marajá (que é um amigo disfarçado), chegando a usar de uma inexistente língua oriental para 'traduzir' o que o 'Marajá' fala. Ele quer ficar com o veículo durante o final de semana, fazendo uma espécie de ‘test drive’, mas ele abusa tanto do veículo, na ânsia de se preparar para a corrida, que os freios ficam com problemas. Daí ele devolve o veículo para a concessionária, sem que o vendedor jamais tenha desconfiado de que havia sido enganado.

Neste período, ele chegou a travar uma corrida particular em uma rodovia contra um piloto profissional (Paul Frére), a quem ele chega a pedir dicas que possam ajuda-lo a vencer a prova. 

Posteriormente, Marc tenta conseguir o dinheiro necessário para ter condições de alugar um Porsche (são 15.000 francos) e, assim, poder participar da competição. A paixão pelos carros e pelas corridas de velocidade acaba sendo uma maneira que 
Marc encontra para sublimar a sua energia sexual. 

No filme, também fica bastante evidente uma crítica de Skolimowski contra o consumismo do Ocidente, estimulando as pessoas a comprarem os seus carros, pois somente assim elas poderão ser felizes. Os gigantescos outdoors com pessoas sorridentes dentro dos carros são um sinal claro disso. 
Marc conhece a bela Michele e isso mostra que existe, sim, uma alternativa feliz para a vida fantasiosa (em torno de corridas e Porsches) e que está fora do alcance deste simples cabeleireiro. 
Mas em uma das vezes nas quais ele saiu para entregar uma peruca a uma mulher, Marc acabou conhecendo uma bela e encantadora jovem, Michele, por quem ele acaba se apaixonando. 

Ele é dono de uma simples motoneta e tenta conquista-la mesmo assim, chegando a persegui-la quando ela preferiu usar o bonde. Assim, no início, ela não demonstra interesse por Marc, mas a insistência dele foi recompensada e ela aceitou andar com ele em seu modesto veículo. 

Eles começam a passear juntos por Bruxelas, visitando um desfile de moda e um salão do automóvel. Nesta sequência, vemos aquela que é a mais bela cena do filme, quando Marc e Michele ficam em partes separadas de um carro que está partido ao meio, momento no qual eles trocam olhares apaixonados. Eles se amam, mas esse amor ainda não foi consumado. 

Afinal, resta saber o que é prioridade para o jovem Marc (ele tem apenas 19 anos): Os veículos ou as mulheres? Participar das corridas ou ficar ao lado dela? O Porsche ou Michele? É isso que Marc terá que descobrir.

Marc terá que optar entre continuar correndo atrás de seus sonhos e fantasias, por mais distantes que eles estejam, e viver aquela vida simples, acomodada e desprovida de emoções que ele experimenta até aquele momento. A paixão pelos carros velozes e pelas competições é que dá um pouco de emoção e sentido para a sua vida tediosa. 

Mas agora surgiu a jovem e bela Michele em sua vida e as dúvidas irão começar a atormentá-lo. 
Michele fica triste quando percebe que Marc dá mais importância aos Porsches do que para o romance deles. 
Obs3: Neste sentido, existe uma proximidade de ‘Le Départ’ com ‘Blow-Up’, de Antonioni, que também foi realizado em 1967. Em ‘Blow-Up’ temos um fotógrafo britânico bem sucedido que também vive de forma entediante e que procura se envolver com algo mais, que lhe permita desfrutar de momentos emocionantes, que o façam sair, mesmo que por breves momentos, daquela vida chata. No caso do filme de Antonioni, trata-se da descoberta e posterior investigação de um assassinato. 

Logo, agora existe uma alternativa para Marc, que é desfrutar de uma vida feliz ao lado da bela Michele. Assim, ele terá que fazer uma escolha. E embora ele seja alguém que se rebela contra as convenções sociais e as instituições autoritárias, ele não deseja romper com as mesmas, mas apenas ser independente enquanto faz parte das mesmas.

No início, porém, as dúvidas assaltam a mente de Marc, que vai da melancolia à euforia em poucos segundos e que grita de um momento para o outro. Algo parecido ocorre com o seu comportamento. No salão ele tem que se submeter aos caprichos das mulheres, mas fora do mesmo ele procura afirmar a sua masculinidade por meio de sua obsessão pelos carros velozes e pelas corridas. 

Essa ligação entre sua paixão pelos carros e por Michele é tão forte que ele acaba falando que a ama dentro do porta-malas de um Cadillac. Ele também diz que foi o primeiro homem que conseguiu namorar a bela Michelle mesmo possuindo uma simples moto.
A belíssima Michele, que balançou o coração de Marc, fazendo com que refletisse sobre a vida que gostaria de ter.
Ele havia se escondido ali, no porta-malas, junto com Michele, porque queria pegar algumas peças no salão, a fim de poder vender as mesmas e conseguir os 15.000 francos para que pudesse alugar o Porsche e participar da corrida. 

No salão temos uma das mais belas cenas do filme, quando eles ficam dentro de um carro, mas que está separado em duas metades. Aos poucos, as metades vão se aproximando, até que elas se unem. É claro que isso se refere ao fato de que eles se apaixonaram. Enquanto isso, toca uma bela canção de amor, que é interpretada por Christine Legrand. 

Depois, eles saem do salão e vão andar na moto de Marc. Neste momento, vemos a belíssima Michele, de perfil, com o rosto ao vento, sorrindo, nesta que é a mais bela cena do filme.

Marc quer vender o que for necessário para poder reunir os 15.000 francos. E Michele o ajuda, vendendo algumas coisas suas também. Eles também vendem um grande espelho e andam com ele pela cidade, enquanto brincam e sorriem. 

Com isso, Marc consegue reunir dinheiro suficiente para alugar o Porsche e participar da corrida, mas ele não tem a idade mínima para isso (que é de 23 anos, sendo que Marc tem 19). 
Michele fica triste e desanimada devido à indecisão de Marc quanto ao destino de ambos.
Depois de gritar muito com Michele, que inicialmente adota uma postura submissa em relação a Marc, ela consegue encontrar um Porsche aberto. Eles o 'pegam emprestado', mas ao ver que há um pequeno cão no carro, ele o deixa para trás. 

Enquanto tudo isso acontecia, ao mesmo tempo, o envolvimento entre eles foi se desenvolvendo e se tornando cada vez mais intenso à medida que conviviam. 

Depois, Marc e Michele vão para o salão no qual ele trabalha, momento no qual ele chora, porque percebe que o seu sonho de correr com um Porsche não irá se realizar. 

Mas logo depois o seu patrão chega e deixa o Porsche na garagem. Marc pega o mesmo 'emprestado', deixando um bilhete avisando ao seu empregador, para poder usá-lo no rali.


Depois disso, eles vão para um hotel, no qual teremos a parte final do filme. 

Nesta bela sequência final, Marc demonstra a sua dúvida em relação a que rumo tomar em sua vida. Enquanto isso, ela espera que Marc tome a iniciativa, para que possam se amar, mas ele não o faz, porque ainda sonha com carros velozes, corridas e Porsches. Ele até pergunta o que pode ser mais importante do que isso. 

E é claro que este comportamento dele deixa Michele triste e angustiada. 
Marc fica em dúvida sobre qual o rumo que deveria tomar em sua vida. Somente quando está com a bela Michele é que Marc consegue esquecer a verdadeira obsessão que possui por carros velozes, corridas e Porsches.  
Ela finge dormir e, logo depois, assume o comando da situação, passando a dizer para ele o que fazer, o que era algo novo na relação deles. Michele começa a projetar fotografias suas, desde a época em que ela era um bebê, enquanto vai relatando os fatos da sua vida. Ela dorme com o projetor ligado e Marc beija a mão de Michele. 

Ele fica pensativo, pois terá que escolher qual o rumo que dará à sua vida. Afinal, se ele escolher os carros, os Porsches e as corridas, ele ficará sozinho. 

Mas se ele optar por amar a bela Michele, então Marc terá que desistir dos carros, das corridas e dos Porsches, deixando para trás os seus sonhos e fantasias de antigamente. 

Desta maneira, este é um filme que trata do amadurecimento de um jovem, que precisa escolher qual será o seu destino. 

E o que Marc fez no final foi... 
No final, Marc decidiu o rumo que a sua vida irá tomar.
Informações Adicionais:

Título: Le Départ (A Partida);
Diretor: Jerzy Skolimowski;
Roteiro: Jersy Skolimowski e Andrzej Kostenko;
Ano de Produção: 1967; País de Produção: Bélgica;
Duração: 89 minutos; Gênero: Romance; Drama;
Música: Krzysztof Komeda;
Fotografia: Willy Kurant;
Elenco: Jean-Pierre Léaud (Marc); Catherine-Isabelle Duport (Michèle); Paul Frère (Paul Frère). 
Prêmio: Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim de 1967. 

Vídeo - Trecho do Filme em que toca a música interpretada por Christiane Legrand: 

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